domingo, 16 de março de 2014

Relato de Mãe - Audiência Pública

Texto relatado em Audiência Pública na Câmara de Vereadores de Fortaleza, em 19 de Abril de 2013:


Boa Tarde

Sou Marília, tenho dois filhos: o Danilo, que este ano, completará 5 anos, e a Lívia que completará 2. Danilo tem alergia às proteínas do leite, à clara e gema do ovo. Não pode comer nada que não seja feito em casa, por mim mesma, ou sob a minha supervisão. Não pode comer nenhum produto vendido, que não seja verificado no rótulo e depois no serviço de atendimento da empresa. Danilo não pode comer as guloseimas das festas de aniversário no qual é convidado, não pode querer a pipoca que de longe exala seu aroma na saída da missa, nem a pipoca do circo ou do cinema. Ele não pode querer o sorvete que salta aos olhos na prateleira da sorveteria, nem o pão quentinho da padaria, o pastel, o cachorro-quente, nem mesmo o churrasquinho passado na manteiga ou assado na mesma grelha do queijo coalho e do pão de alho. Pode até ficar com o brinquedinho que vem no Mc’lanche Feliz, mas com o lanche, não. Danilo não pode nem ao menos abrir a lembrancinha que ganhou na festinha de aniversário do colega da Escola, porque lá, tem pipoca com manteiga, chocolate, pirulito, balas e até mesmo o que menos se imagina há de receber um aroma, um conservante, um daqueles tantos nomes esquisitos que derivam do leite...

Meu filho, não sabe o que é poder comer o que vê. Ele nem arrisca pedir nada fora de casa, porque pra ele o normal é ver os outros comerem, é ver mesas de ceia no Natal, almoço na casa dos parentes, e “não poder comer nada” a não ser a marmita que eu, sua mãe, faço e levo na bolsa, pra comer frio. Essa é sua realidade, desde os 6 meses de vida, quando ele teve um edema na glote com apenas uns poucos goles de leite Nan.

Seu corpo empolava facilmente ao contato sutil da sua pele com o leite, que podia ser através de um beijo, de um afago, de uma mesa mal limpa, de um brinquedo onde outra criança tocou... Por essa razão nos isolamos do mundo, das pessoas, do convívio tão necessário com GENTE.

Nos habituamos a viver no nosso mundo particular, onde apenas nossa casa é segura. A escola, o parquinho, o restaurante, a piscina, são obstáculos perigosos e sempre causam muita tensão à família de um alérgico alimentar.

Viajar é possível sim, porém a bagagem costuma ser bem volumosa, incluindo panelas, utensílios, bucha e detergente de lavar louças, refeições semi-preparadas, congeladas... e a mãe não tem muito tempo pra curtir seus passeios, pois já dorme pensando qual opção vai descongelar para o almoço do dia seguinte.

Seria muito difícil alguém que não vive essa realidade, conseguir entender como é superar cada obstáculo. Mas ainda assim, queria pedir um esforço de cada um aqui em tentar imaginar-se na nossa pele. Como você se sentiria? Você sabe o quanto feliz você é em poder levar sua família ao shopping, sem se preocupar com o lanche que tem que levar na bolsa; em poder comer todos na mesma mesa, sem preocupar-se de comer rápido e sem que seu filho veja? Você sabe o quão feliz você é, em leva-lo na escola e preocupar-se apenas com as mordidas que ele leva dos coleguinhas, e não com risco de trocarem acidentalmente seu lanche pelo de outro aluno? Como mãe do meu pequeno guerreiro precisei abdicar não apenas do convívio e hábitos sociais de costume, abdiquei da minha profissão também. Aprendi a cozinhar, a reconhecer termos científicos da composição alimentar, me especializei em bulas de medicamentos e exames laboratoriais, em perícias de patologias de pele, análise de fezes, em distinguir gripe de sinusite...

Daí você pode nos perguntar: O que queremos??? Além da tão abençoada e desejada cura, nós queremos coisas simples e possíveis: Diálogo, paciência, boa vontade e um pouco de humanidade de cada pessoa, de cada escola, de cada empresa, de cada restaurante, hotel, hospital... queremos informar que nós existimos, que nossos filhos existem!

Nenhum comentário:

Postar um comentário