2. SOBRE NOSSA (IN)DEPENDÊNCIA DAS INDÚSTRIAS

Antes de mais nada, é preciso frisar que o cenário atual (novembro/2015) está completamente diferente de sete anos atrás, quando fui mãe do meu aplv mais velho. Felizmente, a situação tende a melhorar drasticamente, visto que a campanha "Põe no Rótulo" conquistou seu maior objetivo, que é tornar obrigatória a rotulagem de traços em alimentos. 


No entanto, a alimentação oferecida nas prateleiras foram uma das grandes dificuldades que se colocaram na nossa vida a partir de 2009. Sendo assim, este capítulo merece destaque, certamente...

Buscando uma explicação bem básica, encontro na Wikipédia que:
"Industria é uma atividade econômica surgida na primeira Revolução Industrial, no fim do século XVIII e início do XIX, na Inglaterra, e que tem por finalidade transformar matéria-prima em produtos comercializáveis, utilizando para isto força humana máquinas e energia."
Eis aí, nesta pequena definição, o âmago de toda essa problemática: A "transformação de matéria-prima" em produtos necessita da "força humana" e das "máquinas", e um deles ou os dois juntos são os responsáveis pela contaminação cruzada.

Mas afinal, o que vem a ser "contaminação cruzada"? 


Na forma popular, a contaminação cruzada é chamada de "presença de traços". Nos rótulos, quando expressos, aparecem da seguinte forma: "Pode conter traços de..." ou "Contém traços de ..."

Na prática, a diferença entre as duas frases é que, com o "pode" existe uma possibilidade daquele produto não ter nenhum vestígio do alérgeno citado. Já o "contém traços" é algo mais afirmativo que existe sim uma parcela daquele alérgeno. E porque chamamos de traço? Resposta: Porque aquele elemento não faz parte dos ingredientes, porém ele acidentalmente encontra-se no produto, proveniente do processo de produção que o contaminou, pois previamente, outro produto que o continha foi confeccionado naquele mesmo ambiente, seja através do contato humano, maquinário ou transmitido no ar.

Um exemplo bem simples: 
Maria produz bolos caseiros com as seguintes variedades: Bolo de Laranja, Bolo de Chocolate e Bolo de Milho. No Bolo de Laranja e Milho não contém leite de vaca, mas no de chocolate sim. Maria usa a mesma batedeira para produzir todas as três variantes. Por tanto, é certo que o Bolo de Laranja e de Milho NÃO CONTÉM LEITE, porém PODE CONTER TRAÇOS DE LEITE, pois mesmo com a lavagem, o resíduo de gordura da proteína do leite poderá ter resistido em algum minúsculo orifício do recipiente e ser transmitido ao preparo seguinte.

Portanto, um produto é livre de contaminação cruzada (na forma popular, é limpo de traços) quando a empresa tem um controle de produção onde tais ingredientes nunca entrarão em contato com o equipamento utilizado. 


Como no Brasil, até aqui, as empresas não são obrigadas a rotular traços, os consumidores com restrição alimentar escolhem seus produtos industrializados usando pistas, tipo: A empresa "Tal" não produz nenhum alimento com leite, ou seja, não entra leite lá. Então o biscoito "Tal" produzido lá, não tem risco de contaminação cruzada. 

Mas claro, existe uma rotina anterior a este consumo, que inclui telefonemas e mensagens por mídias virtuais, onde os consumidores precisam checar se realmente aquele produto é "limpo". E os atendentes devem saber as respostas ou encaminhar aos profissionais que as sabem.

Preciso dizer ainda que, na seara da Alergia, essa peregrinação é necessária não apenas na indústria alimentícia, mas também na de cosméticos e medicamentos. 


Dito isso, podemos entender as dificuldades que eu encontrei ainda em 2009, quando descobri que tinha um filho alérgico a dois importantes tipos de proteína:


1º) Os rótulos eram uma armadilha. Mesmo depois de aprender onde estavam escritos os ingredientes, o significado dos termos (pois existem "n" formas de apresentação da mesma proteína), e artifícios de como ampliar o tamanho das minúsculas letrinhas, mesmo assim, eu não podia confiar no rótulo. Eu precisava ligar para o número de atendimento ao consumidor, perguntar se realmente não havia tal componente naquele produto, e ainda perguntar se o maquinário utilizado era compartilhado, ou seja, sondar a existência ou não de traços.


2º) O atendimento não era especializado. A atendente, na maioria das vezes, não sabia o que eram traços, não entendia porque tinha que responder se o produto usava o mesmo maquinário de outro produto, respondia errado, ou não respondia, passava a ligação para um superior, que muitas vezes também não sabia, e por vezes, ainda nos aconselhava a perguntar para o "nosso médico"...


3º) Por conta de todo esse despreparo para um público com restrições alimentares, o leque de opções na indústria era muitíssimo reduzido, fato pelo qual a única saída viável era a produção própria e caseira, que impactava fortemente a inclusão social nos mais variados seguimentos do convívio humano. Além disso, sabemos que nos dias atuais muitas mães precisam trabalhar fora de casa, o que inviabiliza essa produção caseira.

4º) Devido aos riscos de processos judiciais provocados por produtos rotulados causarem danos acidentais em consumidores com restrição alimentar, muitas empresas optavam por informar que determinado produto tinha traços, mesmo sem os ter, como uma forma de resguardo... 

Dito isso, fica fácil entender a razão pela qual muitas mães transformam-se em verdadeiras alquimistas na cozinha, preparando não apenas o trivial como também receitas inéditas que surpreendem pelo paladar e pela superação.

O bônus que essa necessidade acarreta é que essas famílias acabam por manterem uma rotina muito mais saudável de vida, com uma alimentação natural, livre de aditivos nocivos a saúde. Porém, seria justo que essas famílias também tivessem o direito de recorrer às prateleiras num imprevisto, num esquecimento, numa viagem, num passeio enfim. 

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