4. SOBRE UM LUGAR CHAMADO "ESCOLA"...

Editado em Novembro/2015

Quando a Escola vira um grande "bicho papão" certamente algo está errado... mas é isso mesmo, foi assim que enfrentei essa situação por alguns muitos meses. E então eu me perguntava: Porque isso não pode ser uma experiência boa, mais uma lembrança no álbum de fotografias? Porque, também eu, não posso me preocupar tão somente com as mordidas que meu filho poderá levar, com os tombos nos brinquedos do play, com a metodologia de ensino? Porque, porque, porque?...

Porque todas essas coisas ficam esquecidas e parecem até perder a importância...Porque a alergia alimentar faz isso na nossa cabeça, nos obriga a focar nela, o tempo inteiro, em todos os lugares.  

No meu caso particular, eu assumo: enlouqueci um pouco. E como não enlouquecer??? Eu não me via no direito de cobrar mais nada da Escola, pois já sentia minha necessidade particular tão inatingível, que eu já me dava por satisfeita se a saúde dele fosse preservada".

Na escola onde ele começou o Infantil 3, colocaram ele numa turma com crianças de 2 anos, 1 ano a menos, e meu supra-foco na alergia alimentar não me fez perceber que isso era um absurdo que o prejudicou certamente, por exemplo.  

Mas tenho que contar nossa história do início, quando planejava ter minha segunda gestação e decidi tentar pôr Danilo para estudar pela manhã. Ele estava com 2 anos de idade e seus igEs ainda eram bastante altos para leite e ovo. Continuava também  com alergia ao contato que é nossa maior dificuldade ao convívio social. Ainda não falava, e eu atribuía isso ao fato dele só conviver com adultos dentro de casa. Continuávamos evitando as confraternizações, e quando íamos, a tensão era gritante... não perdíamos Danilo de vista, enquanto as outras crianças ficavam todas misturadas e livres... Não era mera super-proteção, era a necessidade. Como deixar livre, brincando com outras crianças, correndo o risco dele comer algo encontrado no chão, ou aceitar a oferta de um biscoito por um coleguinha? Como deixá-lo brincando num pula-pula, sem fiscalizá-lo tenazmente durante e depois, quando outras crianças com mãos e bocas sujas de picolé poderiam tocá-lo? Várias vezes, saía todo empolado de um brinquedo... Era difícil recusar, mas muitas vezes o fiz... não podíamos colocá-lo nesses carrinhos de Supermercado, até isso ele pedia e eu tinha que negar... Por duas vezes, ele empolou, simplesmente por sentar no local que outra criança sentou suja...uma dessas vezes, tivemos que deixar as compras de lado e correr pra casa, pois até o olho inchou...

Tudo isso, falo para que se entenda o porque das preocupações, dos "exageros" que na verdade não são exageros, são lições aprendidas à duras penas... Foram os fatos que nos conduziram para "a bolha", bolha esta que prejudicou bastante meu menino, talvez tanto quanto viver fóra dela... o atraso na fala e algumas dificuldades de interação com outras crianças... 

Quando percebi a grandeza desses danos, decidi que a Escola seria algo bom, mesmo correndo riscos. E comecei uma busca por essa "escola especial", meio sem saber o que perguntar, por onde começar... tinha uma responsabilidade tamanha nas minhas costas.

Visitei umas 6 ou 7 escolas, e a fatídica conclusão: As Escolas não sabiam o que era Alergia Alimentar, tampouco como proceder diante dela. Como sempre, ali também se confundia Alergia com Intolerância. E obviamente, essas escolas não estavam ainda preparadas para tal especialidade.  Eu não ambicionava que o lanche atendesse às nossas necessidades, já estava decidida a levar de casa. Mas o "preparo" a que me refiro transcende aos limites do tipo de cardápio oferecido. Minhas questões, giravam em torno dos seguintes objetivos:

1) Durante as refeições,que a Professora e Assistentes estivessem atentas a impedir que ele comesse ou tocasse o alimento das outras crianças;
2) que as outras crianças não tocassem também no alimento dele, pois as mãos delas provavelmente estariam sujas e contaminariam a comida dele;
3) que  existisse um controle sobre os alimentos caídos no chão com o risco dele pegar;
4) que a mesa onde ele comesse fosse previamente limpa;
5) que as crianças lavassem as mãos e bocas após as refeições.

Espero que esteja claro ao leitor que "limpeza" aqui não significa ausência de "germes", mas sim ausência de "alérgenos". Eu preferia que ele colocasse terra na boca, que a bolacha caída do chão. Os cinco itens acima são procedimentos acessíveis, constituem hábitos saudáveis de higiene comum, mas que parecem ser ainda algo distante da realidade.

Continuando...Vou contar sobre duas escolas: "A" e "B". Adianto logo que a escola do Bem é a "A", e a do Mal é a "B'.Resumindo, meu filho começou o infantil 2 na escola "A", depois de duas semanas, desisti. No ano seguinte, começou o infantil 3 na escola "B", e em outubro tirei ele de lá e o rematriculei na escola "A", onde ele continuou o ano subsequente, no infantil 4, 5 e daí por diante... Quem tiver paciência de saber o que deu errado em cada uma, siga em frente, começarei falando sobre a "escola do Mal" rs.

Escola B:
O que me encantou? A entrevista com a Diretora. Muito convicta da didática de ensino, afirmou ainda saber lhe dar com Alergias Alimentares, pois tinha um neto tão alérgico como o meu filho. O problema era que o lanche deveria ser feito na própria Escola, por regra. Devido o caráter de obrigatoriedade, eles zelavam por possuir uma cozinha "especializada, organizada e preparada" para todos os cuidados às crianças com restrição. Segundo a mesma, em trinta anos de trabalhos, nunca tinham tido qualquer problema. Acenava que sim toda vez que eu falava sobre a necessidade de usar utensílios separados e os riscos da contaminação dentro da cozinha, sempre rebatendo com mais argumentos em favor do lanche ser feito pela escola, igual para todos os alunos. Fiquei muito entusiasmada com a possibilidade de não precisar me preocupar com o lanche todos os dias, mas infelizmente o valor das mensalidades não cabiam no nosso orçamento,  e optamos pela segunda alternativa.

Escola A:
Era bem próxima da nossa casa... A diretora não tinha um neto alérgico mas tinha um sistema educacional de reconhecida qualidade, e um nome a zelar. Foram receptivos às adaptações necessárias, seu lanche seria feito em casa, os sucos seriam feitos por eles, mas num liquidificador meu, e a limpeza deste era responsabilidade da coordenadora da cozinha. E assim, começamos o ano letivo de 2011. Porém, durou apenas duas difíceis semanas... 
Danilo relutava muito em descer dos meus braços, e nos poucos dias que fiquei até o horário do lanche, não gostei do que vi. Na esperança que, passado o período de choradeira das crianças, tudo se normalizasse, eu insistia em voltar no dia seguinte. Num desses dias seguintes, vi mais que o caos, vi um pesadelo: meu filho sentado numa mesa suja de restos de comida, sentado ao lado de crianças que comiam pão de queijo com achocolatado; Como já não fosse uma cena apavorante nas minhas condições, a professora que segurava as mãos do Danilo, tinha acabado de pegar os pães, deixando-me numa agonia silenciosa... e ainda vi as outras crianças mexerem com curiosidade no seu lanche diferente, com mãos sujas de pão de queijo...
Por fim, retirei das mãos dele um pedaço de biscoito cracker que ele encontrou no chão. Foi quando percebi que eu ainda não estava preparada, que ainda era cedo, que ainda podíamos esperar mais um ano, quem sabe, quando ele já estivesse curado...

Retorno à Escola B:
Em 2012, aos 3 anos de idade, consegui realizar o "sonho" de matricular Danilo nesta escola, e a adaptação foi muito mais difícil que na tentativa do ano passado. Minha filha mais nova tinha poucos meses de nascida, e eu me desdobrava em ter que passar a manhã acompanhando ele, deixando o leite desmamado em casa com minha mãe. 
Achava estranho que ele tivesse sido colocado numa turma com crianças 1 ano mais novas (na verdade, demorei um pouco a perceber esse detalhe), mas a Diretora, a psicóloga e a coordenadora argumentavam favoráveis. Acabei concordando, afinal ele gostava da professora, e a adaptação já tinha sido tão difícil! Ela era cuidadosa com ele na hora do lanche e isso me bastava... 
Quanto ao lanche, decidi mesmo confiar na palavra dela, e não insisti em burlar a regra da obrigatoriedade de ser feito lá. Foram dois meses sem intercorrências, no entanto, quando refiz seus exames, vi que os igEs tinham subido muito, e o motivo, provavelmente, seria a novidade do lanche feito na escola: após apuração, descobri que as jarras de suco eram as mesmas de leite, as formas e utensílios eram lavados com buchas comuns e sabe-se Deus o que mais... Minhas recomendações não tinham sido compreendidas, mesmo tendo sido passadas por escrito. Por fim, as máscaras caíram quando finalmente descobri que a Diretora conhecia pouco e ruim sobre Alergias, e dali por diante recebi várias vezes o título de "mãe-exagerada, mãe-super-protetora". 
A diretora em pessoa, sugeriu-me que eu tratasse Danilo como ela tratava o neto alérgico: expondo-o ao alérgeno, e chegou inclusive a comparar alergia às gripes que a gente pega, quando é preciso nos contaminar para adquirir imunidade... Não sei porque aguentei por tanto tempo e tão calmamente aquela conversa sem nexo, mas durante o resto do ano, além de não confiar em nada do que a Diretora dizia, Danilo passou a ser o único aluno a fugir à regra: seu lanche era levado de casa, igual ao dos outros alunos, mas feito por mim. Na verdade, só não era igual, porque o cardápio real que era servido todas as semanas não era seguido conforme o planejamento que me passaram.
Finalmente, no segundo semestre, perdi minha inabalável calma, quando descobri uma outra falha. 
Eu pedi muito que me avisassem toda vez que houvesse festas de aniversário na turma, para que eu pudesse levar também seus doces e salgados feitos por mim. Mas de fato isso não aconteceu, raramente fui avisada previamente de uma festa em sala de aula.
Mas o imperdoável mesmo foi descobrir que o privavam de uma prenda que todos os outros recebiam...Certo dia, ao deixa-lo na escola, descobri que haveria festa na sala. Contrariada, mas sem fazer confusão, improvisei, voltei rapidamente com alguns chocolates de soja para ele comer durante o aniversário. Quando fui busca-lo no horário habitual, vi várias crianças saírem com embrulhos nas mãos. Olhei para o meu filho com as mãos vazias, e imaginei que a lembrançinha dele estivesse dentro da mochila.  Não estava. E perceber o motivo para isso ter ocorrido me triturou inteira. A professora achou por bem não dar a lembrançinha dele por causa das guloseimas que havia dentro delas. No dia seguinte, descobri que isso tinha acontecido não apenas uma vez, mas sempre, desde o início do ano: meu filho via todos receberem lembrançinhas do aniversariante, diante de seus olhos, e somente ele, não recebia. Tem como compreender a falta de sensibilidade? Não seria mais fácil trocar o que tem dentro? Seria mesmo tão difícil assim, fazer uma criança de 3 anos feliz? Fazê-lo sentir-se igual aos seus colegas? Foi neste dia que a Boba virou Loba, foi neste dia que a Diretora, a Coordenadora e a Psicóloga ouviram e engoliram tudo o que mereceram durante todo aquele ano. Foi neste dia que cancelei nosso contrato com a "gabaritada" Escola B.

Detalhe: Foi aqui que tive que assinar um termo excluindo a responsabilidade da Escola sobre qualquer acidente alimentar com meu filho.

Retorno à Escola A:
Enfim, vejo meu pequeno sendo respeitado. Ainda tivemos alguns deslizes como por exemplo, no início de 2013, quando a professora ofereceu o suco feito lá, pois ele não tinha aceitado beber o que tinha ido de casa. Algumas vezes, não fui avisada de festas de aniversário (tenho me habituado a isso), mas diferente da escola anterior, elas sempre reconheciam o erro e prometiam mais empenho... Descobri também, através de uma fotografia que me enviaram, onde Danilo manipulava uma massa de biscoito de maisena na aula de culinária. Nesse tempo, eu ainda julgava que ele fosse sensível ao toque. A sorte é que não era. Comprovamos isso, alguns meses depois, em um teste de provocação feito no Hospital pela Alergologista dele. 
Chateei-me bastante recentemente, quando flagrei o horário do lanche, ele comendo sozinho numa mesa, totalmente isolado dos colegas...Mas vou seguindo assim, conversando, entrando em acordos, e temos evoluído em bons diálogos. No geral, estou feliz, porque ele está feliz. Ele convive com muitos meninos de todo tipo de especialidade, Dows, Autistas, Cadeirantes etc... e todos vivem tão bem, tão iguais...isso que me comove, que apesar das diferenças, no geral ele se mistura as demais crianças, vira um igual, como na verdade ele o é...




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